quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Da reflexão

"... Pois, se a reflexão acredita poder definir-se ela mesma no momento em que parte para atingir o irrefletido, ela não pode deixar de se modificar durante o caminho. O que lhe aparecia como que a distância, embora sempre a seu alcance, não para de se retirar, de se subtrair a seus propósitos."
p.43
Colette, Jacques. Existencialismo. Porto Alegre, RS: L&PM, 2009

sábado, 23 de outubro de 2010

Foucault nos fala na pag. 139, que se conspira de modo tão espontâqneo com a maldade, a loucura voluntária, aquela que parece apoderar-se do homem contra sua vontade, não é nada diferente, em sua essência secreta, daquela que é fingida intencionalmente por indivíduos lúcidos.

Rigor na alienação, a insensatez, o modo fácil de conspirar, de trancafiar o que nos incomoda e daí não há escuta, não há olhar e principalmente um outro olhar, um além do bem e do mal.

Abaixo uma parte do livro que relata situações de internação no Brasil e fala dos que ali viveram muito tempo.

História e loucura : saberes, práticas e narrativas / YonissaMarmitt

Wadi, Nádia Maria Weber Santos, organizadoras. - Uberlândia :

EDUFU, 2010. 368 p. In http://www.scribd.com/doc/33895338/Historia-e-loucura, Acesso em 23/10/210

Um Lugar (im)Possível Capítulo11:

Narrativas sobre o viver em espaços de internamento Yonissa Marmitt Wadi. Poucos, dentre os vários sujeitos anônimos ou famosos, que foram internados e viveram curtos ou longos períodos em asilos ou hospitais psiquiátricos, relataram em escritos (na forma de bilhetes, cartas, poesias, diários, romances etc.), em imagens (desenhadas no que encontravam pela frente, nas paredes das instituições, em telas ou papeis oferecidos nas oficinas terapêuticas) ou mesmo por meio da fala (capturada em gravações) suas experiências no interior das instituições. Alguns dos internos delinearam em seus escritos o processo de sua enfermidade, os tratamentos buscados (antes e depois da internação), seu encontro com as práticas e o poder médico; alguns outros se limitaram a reivindicar sua condição de não louco, condição esta atestada pela Doutora em História; professora do CCHS e dos programas de mestrado em História e em Desenvolvimento Regional e Agronegócio – Unioeste; bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq.

História e loucura: saberes, práticas e narrativas por médicos psiquiatras (ou não) quando da internação nas instituições; outros ainda rememoraram suas vidas até o momento da internação, ora no sentido de defenderem- se da acusação de serem loucos, ora acusando outrem (especialmente familiares, amantes, inimigos etc.) pela impu- tação da loucura a eles dada.

Ser considerada uma doente mental fez com que Stela fosse internada e permanecesse até sua morte em instituições manicomiais, porém, contrariamente a qualquer diagnóstico, era vista por outros sujeitos (seus companheiros de internamento ou mesmo alguns operadores de saberes como psiquiatras ou psicólogos), para além do redutor atributo de doente mental. Era considerada uma filósofa /poeta que refletiu as dores, os horrores, mas também o processo de subjetivação no hospício. Por um lado, suas palavras – transformadas em texto – podem ser consideradas.

Para Stela, o espaço de internação, “o hospital parece uma casa”, mas “o hospital é hospital”. O olhar de Stela remete ao significado comumente atribuído às práticas e à instituição psiquiátrica – lugar de controle e exclusão, de criação de doença, não de cura:

Estar internada é ficar todo dia presa,

Eu não posso sair, não deixam eu passar pelo portão

Maria do Socorro não deixa eu passar pelo portão

Seu Nelson também não deixa eu passar lá no portão

Eu estou aqui há vinte e cinco anos ou mais.

Eu estava com saúde

Adoeci

Eu não ia adoecer sozinha não

Mas eu estava com saúde

Estava com muita saúde

Me adoeceram

Me internaram no hospital

E me deixaram internada

E agora eu vivo no hospital como doente...

O remédio que eu tomo me faz passar mal

E eu não gosto de tomar remédio pra ficar passando mal

Eu ando um pouquinho, cambaleio, fico cambaleando

Quase levo um tombo

E se levo um tombo eu levanto

Ando mais um pouquinho, torno a cair.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

A LOUCURA ESCONDE ENIGMAS DE UMA VERDADE.

Postando para: Cristiane Braga

A LOUCURA ESCONDE ENIGMAS DE UMA VERDADE

O mundo da loucura funciona como um mecanismo dos a-sociais, elementos nocivos que desorganizam o estado e causam o mal-estar da sociedade.
Esta imóvel identidade de uma existência obscura,esta no limiar da loucura, segregando a luz da verdade, permitindo de modo implícito um esquema de exclusão superposto.
O homem moderno designou no louco sua própria verdade alienada transformando as transgressões éticas em desatino ou doença mental.
A cumplicidade da medicina com a moral luta em favor do corpo, num esforço na direção do restabelecimento da saúde e imprime moralmente um sentimento de terror, como forma de repressão, coação e obrigação em conseguir a salvação e purificação da alma.
A sexualidade também foi integrada a este sistema de coação pertencendo à ordem do desatino e assumindo um aspecto de problema psicológico.
As desordens da alma como as violências contra o sagrado, blasfêmias, profanações e suicídios, todos passam por uma conduta moral, que eram punidos com a coação para atenuar uma desordem social. Os gestos de magia e as condutas profanatórias tornaram-se patológicas a partir do momento em que uma cultura deixa de reconhecer sua eficácia. A passagem para o patológico não se realizou de maneira imediata, mas sim através da transição de uma época que neutralizou sua eficácia, culpabilizando suas crenças, pois as leis humanas eram coordenados pelas leis divinas.
O controle da loucura e das expressões se dá através do internamento que tem a função de uma reforma moral em prol da verdade libertada, a fim de que a insanidade se torne um objeto de percepção, assumindo um aspecto de um fato humano do campo das espécies sociais.
Não é libertação para o saber iluminado, nem abertura pura e simples das vias do conhecimento. O internamento circunscreve a área de uma objetividade possível, pois foi afetado pelos valores negativos do banimento.
Esta loucura sob as inadaptações sociais, ocorre numa espécie de experiência comum da angústia, e o problema real é determinar o conteúdo desse juízo, sendo que não se trata de localizar o erro, uma desordem de conduta, de costumes e do espírito. É todo domínio obscuro de uma raiva ameaçadora que surge, uma noção confusa para nós, clara apenas para um dos poderes atribuídos a si mesmo no sentido positivo, assumindo um caráter patológico da alienação.
O internamento não é o primeiro esforço na direção da hospitalização da loucura, constitui uma homologação dos alienados aos outros correncionais da época.
Ser tratado como os outros insanos, não significa submeter-se a tratamento médico, mas sim seguir o regime da correição, obedecer as leis de sua pedagogia, destinando-se a corrigir um sábio arrependimento. O tempo que marca e limita o internamento é sempre apenas o tempo moral das conversões e da sabedoria, tempo para que o castigo cumpra seu efeito.
Somente no começo do século XV é que se observa a presença de loucos nos hospitais, passando a ser reconhecido de um outro modo, reagrupado segundo uma nova ordem específica, atribuindo um estatuto exatamente médico.
A consciência médica estava implicada em todo julgamento sobre a alienação. Apenas o médico é competente para julgar se um indivíduo esta louco e em que grau de capacidade lhe permite sua doença.
A vida do indivíduo, seu passado, os juízos que se puderam formar sobre ele a partir da infância, tudo isso cuidadosamente pesado pode autorizar o médico a fazer um juízo e decretar a existência ou ausência da doença. È necessário determinar quais as faculdades atingidas e interrogar e determinar se pode atribuí-las à loucura.
Cabe ao médico descobrir as marcas indubitáveis da verdade ou nos introduzir no mundo da loucura.
Achei bastante interessante este artigo e coloquei um trecho dele, que falade Lima Barreto, alguém que sofre os delirios da loucura e ao mesmo tempo os observa.

Gislene Maria Barral Lima Felipe da Silva, 2008 In http://www.posgrap.ufs.br/periodicos/interdisciplinar/revistas/ARQ_INTER_5/INTER5_Pg_125_154.pdf, Acesso em 21/10/2010.



De resto, a multiplicidade das formas e manifestações da loucura é fixada por Lima Barreto ao apresentar o hospício como um jardim de espécies, tal qual propunha Foucault em sua monumental História da loucura na Idade Clássica, no capítulo que se intitula sugestivamente “O louco no jardim das espécies” (1991, p. 177-208).
Buscando organizar o mundo das doenças, espaço onde a loucura acabara de se inserir, a ciência oitocentista segue a ordem classificatória dos vegetais, agrupando sintomas, causas e tratamentos para as manifestações de desordens mentais no indivíduo, assim como dispõe as famílias, gêneros e espécies em um esquema geral do reino vegetal. Desse modo, entra em cena uma função moral da ciência que, ao conferir à loucura uma proximidade com a categoria vegetal ou animal, elimina seu caráter de fenômeno intrínseco ao ser humano, como Lima Barreto já reconhecia, sem grande esforço filosófico: a loucura se reveste de varias e infinitas formas;é possível que os estudiosos tenham podido reduzi-las em uma classificação, mas ao leigo ela se apresenta como as árvores, arbustos e lianas de uma floresta; é uma porção de cousas diferentes (CV, p. 187).

Desinstitucionalizaçao da loucura e paradigmas modernos

Capacidades intelectuais sao supervalorizadas em nossa sociedade, esta mesma sociedade a que Adorno atribui fechamento, onde os modelos precisam ser enquadrados. Competitividade, beleza fisica, individualidade e independencia ,sao padrões deste enquadramento; significa entao que o individuo que nao preenche estes requisitos está .....excluso, em situação de exclusão; é amaldiçoado e infeliz porque tem que lidar com muitas contingencias, nao bastassem as necessarias, ele tem essas agregações das quais nao pode livrar-se, senao com a ajuda do sistema que tem saídas para esses problemões: produtos farmaceuticos, cosméticos intervenções, tudo em favor....do enquadramento, de deixar a exclusão e pertencer; neste ambiente pessoas portadoras de algum tipo de limitação, são vistas como problema e são altamente desvalorizadas. A palavra para mediar esta distancia intransponivel, seja para o portador da limitação seja para o que não comtempla o limitado é inclusão. Sao movimentos oriundos da década de 70.
Com a medicalização destas e de outras limitaçoes a Filosofia ocupou-se dos espaços de discussao, sempre de namoro com a ciencia que afinal tambem tem poderes de excluir. A elaboração, a produção do conhecimento precisa ser pertinente à comunidade cientifica e embora paradigmas sejam flexibilizados no ambito das Sociais, é sempre um processo de acrescer e complementar, discutir resultados anteriores, relacionando, continuando ainda que não linearmente.
Agora como Darwin observou e classificou a natureza, este também é um bom modelo para este fenomeno mutante que é a loucura através dos tempos. Nada mais lógico entao que ela migrasse do ambiente social para o epstemologico; agora não embarcamos sem destino os loucos, nem os confinamos, mas os entregamos aos ditames da Filosofia que se ocupa deles, no aspecto interno, social e historico, e junto com a psicologia quer apreender os modos de funcionamento do individuo, seus sofrimentos conforme a pesquisa. Se o individuo pode compreender seus proprios processos, então o psicólogo com a ajuda do filosofo, achou seu modo de estar no mundo, ser do mundo, juntamente com o louco e o que sofre as agruras da exclusao.
Presente fortemente no social, ambiente de conflitos e adoecedor para o sujeito, Pichon
nos presenteia com novos aspectos de questões antigas. Este mesmo ambiente que o individuo partilha com os demais de sua espécie pode ser curativo e adoecedor; gerador dos conflitos de proximidade e pertinencia, o sujeito precisa ser tratado no grupo, é sua chance, diz Pichon Riviere, já que o processo de subjetivaçao é tambem social.

Assim fica compreenssivel porque independencia intelectual é tao valorizada. Assim descobrimos os dominios do saber, que sem dominar o problema, domina a discussão dele.

Postado por Rosa F F Oliveira

Das Vantagens de Ser Bobo

O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir e tocar o mundo. O bobo é capaz de ficar sentado quase sem se mexer por duas horas. Se perguntado por que não faz alguma coisa, responde: "Estou fazendo. Estou pensando."
Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída porque os espertos só se lembram de sair por meio da esperteza, e o bobo tem originalidade, espontaneamente lhe vem a idéia.

O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não vêem. Os espertos estão sempre tão atentos às espertezas alheias que se descontraem diante dos bobos, e estes os vêem como simples pessoas humanas. O bobo ganha utilidade e sabedoria para viver. O bobo nunca parece ter tido vez. No entanto, muitas vezes, o bobo é um Dostoievski.

Há desvantagem, obviamente. Uma boba, por exemplo, confiou na palavra de um desconhecido para a compra de um ar refrigerado de segunda mão: ele disse que o aparelho era novo, praticamente sem uso porque se mudara para a Gávea onde é fresco. Vai a boba e compra o aparelho sem vê-lo sequer. Resultado: não funciona. Chamado um técnico, a opinião deste era de que o aparelho estava tão estragado que o conserto seria caríssimo: mais valia comprar outro.

Mas, em contrapartida, a vantagem de ser bobo é ter boa-fé, não desconfiar, e portanto estar tranqüilo. Enquanto o esperto não dorme à noite com medo de ser ludibriado. O esperto vence com úlcera no estômago. O bobo não percebe que venceu.

Aviso: não confundir bobos com burros. Desvantagem: pode receber uma punhalada de quem menos espera. É uma das tristezas que o bobo não prevê. César terminou dizendo a célebre frase: "Até tu, Brutus?"

Bobo não reclama. Em compensação, como exclama!

Os bobos, com todas as suas palhaçadas, devem estar todos no céu. Se Cristo tivesse sido esperto não teria morrido na cruz.

O bobo é sempre tão simpático que há espertos que se fazem passar por bobos. Ser bobo é uma criatividade e, como toda criação, é difícil. Por isso é que os espertos não conseguem passar por bobos. Os espertos ganham dos outros. Em compensação os bobos ganham a vida. Bem-aventurados os bobos porque sabem sem que ninguém desconfie. Aliás não se importam que saibam que eles sabem.

Há lugares que facilitam mais as pessoas serem bobas (não confundir bobo com burro, com tolo, com fútil). Minas Gerais, por exemplo, facilita ser bobo. Ah, quantos perdem por não nascer em Minas!

Bobo é Chagall, que põe vaca no espaço, voando por cima das casas. É quase impossível evitar excesso de amor que o bobo provoca. É que só o bobo é capaz de excesso de amor. E só o amor faz o bobo.

Clarice Lispector


segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Foucault e o conceito de loucura

 

Profª. Inês Lacerda Araújo

FILOSOFIA DE TODO DIA

Em sua tese de doutorado A História da Loucura na Idade Clássica ( 1961), Foucault trata de um tema estranho à academia e que inova no modo de abordar a loucura. Ele a situa na história a partir do século 15, até o tratamento asilar que surge em fins do século 18 e que se transforma no hospital psiquiátrico moderno.

O rosto, os gestos e atitudes da loucura sempre foram reconhecidos, mas o modo de "tratar" e de lidar com a loucura sofreram transformações que seguem ou são criadas por diferentes necessidades sociais e econômicas. Nem sempre o louco foi percebido como doente mental, alvo de intervenção médica. A "Nau dos Loucos" no fim da Idade Média (quadro acima de Bosh), percorria os portos e ora deixava essas estranhas figuras para serem encarceradas, ora seguia com elas de porto em porto, sem que representassem uma ameaça à razão ou à ordem social. Isso só aconteceu mais tarde, com a criação do Hospital Geral, que como o nome indica, encarcerava doentes, vagabundos, loucos. Os mais violentos eram presos a correntes, o chão era feito de tábuas vazadas para que as fezes caíssem na palha.

Prender ou não e quem prender, dependia da falta ou excesso de mão de obra. Olhar e intervir no Hospital Geral se deveu, em parte, aos protestos de presos políticos da Revolução Francesa, que exigiam tratamento diferenciado daquele dado aos pobres e delirantes. Finalmente os loucos foram separados dos demais. Na França, Pinel inaugura o asilo, o mesmo fez Tuke na Inglaterra. A obediência, o rigor disciplinar, o poder do médico de acalmar o doente, fazer com que ele reconhecesse seu "erro", olhar a si mesmo e acabar por admitir que delirava, voltar à realidade, tudo isso põe a loucura num novo patamar, o do olhar objetivador, médico, científico. O louco é libertado das correntes e preso a um novo ordenamento de saber: a loucura se torna doença mental.

O passo seguinte para as instituições psiquiátricas que combinam a hierarquia do asilo com choque, química e intervenções cirúrgicas foi o que o próprio Foucault verificou, logo após se formar em filosofia pela Sorbonne, quando foi voluntário no Hospital Sainte-Anne.

O sofrimento do doente, o internamento, como tratar, se há tratamento, o que é doença mental, como diagnosticar, todas essas questões são hoje levantadas. Não há resposta clara. Há um lado trágico da loucura presente nas obras literárias, na pintura, no cinema. Há outro lado em que se pretende enquadrar como doença sujeita a algum tipo de intervenção.

Em suma, pouco sabemos, somos confrontados com pessoas e seu sofrimento. A situação é melhor quando se recusa o conceito de loucura e se prefere o de doença mental? O que é o físico e o mental? O que é comportamental e o que é experiência pessoal? Com tantas dúvidas, que se tenha, pelo menos, cautela. Para Foucault são acontecimentos na ordem do saber que têm efeitos de poder.

*** * ***

* Inês Lacerda Araújo - filósofa, professora e autora, entre outros, de Foucault e a crítica do sujeito (Curitiba: Ed. da UFPR, 2008).

sábado, 16 de outubro de 2010

Contos Proibidos do Marquês de Sade

Pessoal!
Lendo os capítulos 3 e 4 não pude deixar de lembrar deste filme, vale a pena ver!

Titulo original: Quills
Gênero: Drama
origem: EUA/2000
duração: 123 min

Sinopse: Os seres humanos sempre questionaram através da história, a sociedade e seus limites de moralidade. Em pleno século 18, em meio a sangrenta Revolução Francesa, um dos mais perigosos dessidentes foi, sem dúvida, O Marquês de Sade, que originou o termo sadismo.
Sade era uma pessoa contraditória. Algumas vezes era brilhante e sensível. Outras era egoísta e demoníaco. Foi tão escandaloso que continua a chocar a todos no século 21 e o seu legado ainda promove debates sobre o que fazer com aqueles que exploram alegremente os mais sinistros tabus.
O verdadeiro Marquês de Sade nasceu em 1740 em Paris e viveu durante um dos períodos mais tumultuados da história da França. Ficou conhecido pela palavra cuja criação foi inspirada nele: o sadismo, referindo-se aos prazes sexuais derivados da dor. Mas Sade foi muito mais do que um experimentador sexual. Foi um escritor que ficou preso por 27 anos pelo crime de escrever sobre o lado mais negro do ser humano. Em 1772, foi setenciado à morte por crimes sexuais e escapou abertamente. Mais tarde, tornou-se um revolucionário e, novamente, escapou da guilhotina. Publicou romances eróticos, foi banido da administração de Napoleão e passou os últimos anos de sua vida num asilo. Marquês de Sade transformou-se em um mito.

Vale lembrar que o Marquês de Sade era burguês e pertencia a corte francesa, considerado por muitos um louco devasso mas para outros com afinidades dentro de um universo perigoso e fechado um sujeito inteligente, conseguindo desta forma manter-se vivo e enclausurado, deixando para seus afins um legado de contos eróticos.

A Ética do Desatino e o Escâdalo da Animalidade

“E o louco, percorrendo até o furor da animalidade a curva da degradação humana, desvenda esse fundo de desatino que ameaça o homem e que envolve, de há muito, todas as formas de sua existência natural” (p. 159).

A discussão sobre a questão da animalidade foi essencial no texto, e podemos trazê-la para várias áreas de nosso percurso de estudos psicológicos e filosóficos. O texto Animots: um exercício de leitura dos animais, de Eduardo Jorge, faz uma reflexão um tanto poética acerca do trabalho de Jacques Derrida, chamado O animal que logo sou, discorrendo sobre a animalidade sob diversos pontos de vistas. É essencial para nós, que aos poucos construímos nosso blog, pois faz justamente contrapontos com A história da loucura de Michel Foucault, na Idade Clássica até a contemporaneidade.

A seguir, destacarei alguns dos pontos principais desta leitura. Façam bom proveito!

Derrida nos pede para renunciar ao saber, saber esquecer o saber. Renunciar ao saber: existe algo que nos aproxime mais do animal? E aqui é interessante pensar na desarticulação de um discurso que torna o homem animal.

Michel Foucault na História da loucura trata bem desta questão do louco, este Outro vivendo como um animal. Assim, a relação entre asilos e zoológicos tem um desígnio carcerário comum para encerrar ali uma animalidade.

“A animalidade na idade clássica perdeu seu indício de além da vida medieval e agora figura-se como a loucura do homem encerrando ele em si mesmo em um estado natural. Nas palavras de Foucault, a animalidade despoja o que há de humano no homem, chegando a estabelecê-lo no grau zero de sua própria natureza. Mesmo assim, essa animalidade chegava a protegê-lo contra o que poderia existir de frágil, precário e doentio no e do próprio homem (...).”

“Com uma desconfiança diante da linguagem e de sua pseudo-evidência, que o homem chama de seu mundo, seu saber, sua história e sua técnica, que Derrida afronta os sinais prévios dessa relação homem-animal: o animal (alogon) se encontra, segundo Heidegger, privado de acesso, em sua abertura mesma, ao ser do ente enquanto tal, ao ser tal, ao “enquanto tal” do que é. A tristeza, o luto, a melancolia da natureza ou da animalidade nasceriam assim, segundo Benjamin, desse mutismo, é certo, mas também, por isso mesmo, deste ferimento sem nome: ter recebido o nome. Ao se encontrar privado de linguagem, perde-se o poder de nomear, de se nomear, em verdade de responder em seu nome. (Como se o homem não recebesse também seu nome e seus nomes!).

“Segundo Derrida: ‘Animais selvagens. Com respeito aos animais selvagens, os sentimentos equívocos dos seres humanos talvez sejam mais irrisórios do que em qualquer outro caso. Há a dignidade humana (na aparência, acima de qualquer suspeita) mas não será preciso irmos ao jardim zoológico: por exemplo, quando os animais vêem surgir a multidão de criancinhas seguidas por papás-homens e mamãs-mulheres. Apesar das aparências, o hábito não consegue impedir um homem de saber que mente como um cão quando fala de dignidade humana no meio dos animais. Porque em presença de seres ilegais e profundamente livres (os únicos verdadeiramente outlaws), a mais equívoca das invejas ainda leva a melhor sobre uma estúpida sensação de superioridade prática (inveja que se manifesta nos selvagens sob a forma de totem que se dissimula, de um modo cômico, nos chapéus com penas das nossas avós de família). Com tantos animais no mundo só perdemos isto: a inocente crueldade, a monstruosidade opaca dos olhos que mal se diferencia de pequenas bolhas formadas à superfície da lama, o horror ligado à vida como uma árvore à luz. Restam os gabinetes, os bilhetes de identidade, uma vida de criados biliosos e, no entanto, sei lá que estridente loucura chega a parecer-se, durante certos desatinos, com a metamorfose’.

Obs: Pode ser encontrado no seguinte link: http://www.letras.ufmg.br/poslit/08_publicacoes_pgs/Em%20Tese%2014/TEXTO%2011.pdf

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Estratagema da própria loucura



"... Nesse ponto ainda inicial, a consciência da loucura está segura de si mesma, isto é, segura de não estar louca. Mas ela se precipitou, sem medida nem conceito, no próprio interior da diferença, no ponto mais acentuado da oposição, no âmago desse conflito onde loucura e não-loucura trocam sua linguaguem mais primitiva; e a oposição se torna reversível: nesta ausência de ponto fixo, pode ser que a loucura seja razão, e que a consciência da loucura seja presença secreta, estratagema da própria loucura." p. 166
...

Ceux qui pour voyageur s'embarquent dessus l'eau
Voient aller la terre et non pas leur vaisseau.
(Aqueles que para viajar embarcam sobre as águas
Vêem andar a terra e não sua nau.)... p.166
...
Mais plus tant je me lime et plus je me rabote
Je crois qu'à mon avis tout le monde radocte.
(Quanto mais me limo e mais me aplaino
Creio que a meu ver todo mundo desatina.)... p.167

Recortes sobre a consciência da loucura

Fiz uns recortes a respeito da consciência da loucura... do que achei interessante nessa minha primeira leitura:


“Qual é a figura da ciência, por mais coerente e cerrada que seja, que não deixa gravitar ao seu redor formas mais ou menos obscuras da consciência prática, mitológica ou moral? Se não fosse vivida numa ordem dispersa e reconhecida somente através de perfis, toda verdade acabaria adormecendo.“ p.165

“No entanto, talvez uma certa não-coerência seja mais essencial à experiência da loucura do que em qualquer outro lugar;” p.165

“... Mas o sentido da loucura numa determinada época, inclusive na nossa, não deve ser solicitado à unidade pelo menos esboçada de um projeto, mas sim a essa presença dilacerada.” P.166

Nos trás formas de consciências:

1. Consciência CRÍTICA da loucura;
2. Consciência PRÁTICA da loucura;
3. Consciência ENUNCIATIVA da loucura e
4. Consciência ANALÍTICA da loucura. (p.166 a 169)...

“Cada uma dessas formas de consciência é ao mesmo tempo suficiente em si mesma e solidária com todas as outras.” p. 169

“Mas nenhuma delas pode ser absorvida inteiramente por uma outra. Por mais íntimo que seja, o relacionamento entre elas nunca pode reduzi-las a uma unidade que as aboliria a todas numa forma tirânica, definida e monótona de consciência. É que por sua natureza, sua significação e fundamento, cada uma tem sua autonomia: a primeira delimita de imediato toda um região de linguagem onde se encontram e se defrontam ao mesmo tempo o sentido e o não-sentido, a verdade e o erro, a sabedoria e a embriaguez, a luz do dia e o sonho cintilante, os limites do juízo e as presunções infinitas do desejo. A segunda, herdeira dos grandes horrores ancestrais, retoma, sem saber, sem querer e sem dizer, os velhos ritos mudos que purificam e revigoram as consciências obscuras da comunidade; envolve em si toda uma história que não diz seu nome, e apesar das justificativas que ela mesma pode apresentar, permanece mais próxima do rigor imóvel das cerimônias que do labor incessante da linguagem. A terceira não pertence à ordem do conhecimento, mas do reconhecimento; é um espelho (como no Neveu de Rameau) ou lembrança (como em Nerval ou Artaud) – é sempre, no fundo, uma reflexão sobre si mesmo no momento em que acredita designar ou o estranho ou aquilo que nela existe de mais estranho; o que ela põe à distância, em sua enunciação imediata, nessa descoberta inteiramente perceptiva, era seu segredo mais profundo; e nessa existência simples e não na da loucura, que está presente como coisa oferecida e desarmada, ela reconhece sem o saber a familiaridade de sua dor. Na consciência analítica da loucura efetua-se o apaziguamento do drama e encerra-se o silêncio do diálogo; não há mais nem ritual nem lirismo; os fantasmas assumem sua verdade; os perigos da contranatureza tornam-se signos e manifestações de uma natureza; aquilo que evocava o horror convoca agora apenas as técnicas da supressão. A consciência da loucura não pode mais, aqui, encontrar seu equilíbrio a não ser na forma do conhecimento.” p.170

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Marco Aurélio Ferraz: "Rompendo Silêncios: alunos especiais narram suas histórias"

(...)

Costurado pela analogia ao mar e seus mistérios, navego no
movimento de idas e vindas, sem um porto estável onde aportar.
A Nau dos Insensatos que inspirou a introdução do referido projeto, é descrita por Michel Foucault em “A História da Loucura” (1961) e tem o mesmo sentido que as Naus dos loucos ou insensatos da Idade Média, “navios que carregavam insanos em
busca da razão”, um estranho barco que deslizava pelos rios e mares, levando uma carga insana, partia sem um rumo definido. Os tripulantes embarcavam em uma viagem sem fim, flutuando num mar sem fim, sem bordas, sem ancoragem.

Os alunos das escolas especiais, diferente dos loucos da Idade Média, foram nomeados Portadores de Necessidades Educativas Especiais e estão sendo “convidados” a embarcarem em uma Nau, em sentido metafórico, para um lugar pré-determinado, a escola regular, e, como os insensatos do início da modernidade, não escolheram partir nesta viagem, o convite para essa travessia foi feito por estranhos.

Ao chegar neste novo lugar, a escola regular, talvez sejam recebidos como estrangeiros, pois seu jeito de comunicar- se e aprender, são distintos. Alguns deles com seus corpos marcados são mais diferentes que os diferentes daquele lugar.

Com os estudos, tenho observado que o movimento dos alunos com deficiência mental, entre os fenômenos da inclusão e exclusão na escola regular e/ou na escola especial, tem tido visibilidade. É notório o aumento da clientela. Observando dados da vida escolar dos alunos, percebo que sua vida escolar é repleta de momentos onde os fracassos aparecem em destaque, obscurecendo de alguma forma as pequenas conquistas.

(...)

Não pretendo apresentar novas verdades, pois acredito que elas não existam, mas refletir sobre novas perspectivas que os Estudos Culturais permitem para tratar um tema tão importante como é a inclusão, vista neste projeto sob a ótica dos próprios alunos.

Inspirado pelas idéias de Michel Foucault, permito-me identificar esses alunos com os chamados anormais, considerando a busca insistente de colocá-los em uma determinada norma que os capture, que lhes normatize, para com isso conduzi-los à normalidade.
Pronunciado no Collége de France, de janeiro a março de 1975, o curso sobre “Os Anormais” dá continuidade às análises que Michel Foucault consagrou a partir de 1970, aprofundando questões como saber, poder, normalização e biopoder. É a partir de múltiplas fontes, jurídicas e médicas, entre outras, que Foucault aborda o problema desses indivíduos “perigosos” que no século XIX eram chamados de “anormais”, destacando a formação de um saber e de um poder de normalização. A partir dessa discussão poderia dizer que esses eram os indivíduos que de uma forma ou outra escapavam a uma norma, porém, eram capturados por outras, considerando que ninguém escapa a norma. Segundo o mesmo autor são três as figuras principais de caracterização dos anormais: os monstros, os incorrigíveis e os onanistas.

Sendo assim o indivíduo considerado anormal é aquele que segundo o referido autor deriva-se ao mesmo tempo da exceção jurídico-natural do monstro das multidões, dos incorrigíveis, detidos pelos aparelhos de adestramento, e do universal secreto das sexualidades infantis.

Na lógica de uma reflexão atual sobre a sociedade e o princípio de exclusão, ainda percebendo o quanto os discursos dos alunos da Escola Especial, estão envoltos nestas lógicas, reporto-me a época da alta Idade Média, na oposição razão e loucura. “O louco é aquele cujo discurso não pode circular como o dos outros”. Hoje os alunos com necessidades educativas especiais, poderiam ser facilmente comparados aos loucos da Idade Média, pois o olhar a eles lançado ainda é de estranheza, ainda é preciso romper as barreiras do silêncio, das palavras ingênuas, para que os mesmos possam ter na expressão desses discursos, as suas idéias compreendidas.

Pode ocorrer que sua palavra seja considerada nula e não seja acolhida, não tendo verdade nem importância, não podendo testemunhar na justiça, não podendo autenticar um ato ou um contrato, não podendo nem mesmo no sacrifício da missa, permitir a transubstanciação e fazer do pão um corpo; pode ocorrer também, em contrapartida, que se lhe atribua, por oposição a todas as outras, estranhos poderes, o de dizer uma verdade escondida, o de pronunciar o futuro, o de enxergar com toda ingenuidade aquilo que a sabedoria dos outros não pode perceber. (Focault.1970. p.11)

Apesar de considerar que o conceito de loucura aproxima-se muito mais da Doença Mental do que da Deficiência Mental, este termo é utilizado no texto como elemento de costura no resgate histórico das posições tomadas, em nome da normalidade, o que de fato aproximaria os indivíduos aqui estudados das duas
vertentes.

Em “A História da loucura” por exemplo, Foucault revela a trajetória dos muitos séculos, durante os quais a palavra do louco não era ouvida e se ouvida, o era com ouvido que a filtrava como dotada de uma razão ingênua ou astuciosa. O primeiro passo no estudo independência da condição da deficiência e doença mental ocorreu noinício do Século XIX, quando se estabeleceu a diferenciação entre idiotia e a loucura. Existe uma tendência mundial de estar reconhecendo o termo Doença Mental como transtorno Mental e Deficiência Mental como deficiência intelectual como um discurso diferente, do lugar de quem poderia exercer uma razão mais razoável do que a das pessoas razoáveis. Por volta do século XVIII a palavra dos loucos passa aser o mecanismo pelo qual era reconhecida sua própria loucura, então o que era dito é observado como e por que era dito, essa palavra passa a fazer a diferença.

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(...)No entanto passei a observar que faltava nestes fóruns a fala dos alunos. Tal situação começou a fazer parte de minhas inquietações, perguntava-me: por que os alunos não são chamados a falar?. Será pela crença de que por serem deficientes mentais suas opiniões seriam teoricamente desprovidas de certa racionalidade, o que tornaria de
imediato sua fala sem sentido? Por essa fala não estar inscrita, em um padrão de normalidade, estaria em uma outra ordem do discurso, que não a esperada por quem faz as leis? Se considerarmos que há então um discurso capaz de contribuir para a qualificação do processo de inclusão, como dar visibilidade a este discurso?
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