sexta-feira, 10 de setembro de 2010

O Barco dos Tolos - Hyeronimus Bosch

Foucault descreve, em sua obra “A História da Loucura”, a Narrenschiff como sendo a única nave romanesca ou satírica que teve existência real. Segundo ele “esses barcos que levavam sua carga insana de uma cidade para outra (...)As cidades escorraçavam-nos de seus muros; deixava-se que corressem pelos campos distantes (...)Esse costume era freqüente particularmente na Alemanha: em Nuremberg, durante a primeira metade do século XV, registrou-se a presença de 62 loucos, 31 dos quais foram escorraçados.” Assim, os ditos loucos que ameaçavam a ordem e o bom funcionamento social, eram mantidos longe dos olhos da população dita normal.
A forma como lidamos com a loucura, ainda hoje, basicamente não difere de como era feita no final da Idade Média. Os loucos continuam a ser camuflados dentro de instituições, pois estes depósitos, de certa forma, funcionam tão bem quanto a Nau dos loucos, pois protegem a comunidade dos riscos da insanidade.

Eu estava assistindo ao filme “Ilha do Medo” de Martin Scorsese e uma cena logo no início me chamou a atenção. O detetive Teddy, interpretado por Leonardo DiCaprio, ao chegar na ilha que funciona como um hospital psiquiátrico para os “loucos criminosos”, é alertado a tomar cuidado para não se contagiar e diz em um tom sarcástico que a loucura não é contagiosa, mas seu parceiro, Chuck, interpretado por Mark Ruffalo, responde rapidamente e de forma irônica “Mas é contagiante.”
Pensei se seria este o “contágio” tão temido socialmente, que faz com que escorracemos os loucos em Naus? Seria uma forma de preservar "nossa sanidade" ameaçada pela presença "deles"? Provavelmente...

6 comentários:

  1. “... Mas a isso a água acrescenta a massa obscura de seus próprios valores: ela leva embora, mas faz mais que isso, ela purifica. Além do mais, a navegação entrega o homem á incerteza da sorte: nela, cada um é confiado a seu próprio destino, todo embarcar é, potencialmente, o último. É para o outro mundo que ele chega quando desembarca. Esta navegação do louco é simultaneamente a divisa rigorosa e a Passagem absoluta. Num certo sentido, ela não faz mais do que devolver, ao longo de uma geografia semi-real, semi-imaginária, a situação limiar do louco no horizonte das preocupações do homem medieval – situação simbólica e realizada ao mesmo tempo pelo privilégio que se dá ao louco de ser fechado ás portas da cidade: sua exclusão deve encerrá-lo; se ele não pode e não deve ter outra prisão que o próprio limiar, seguram-no no lugar de passagem. Ele é colocado no interior do exterior, e inversamente. Postura altamente simbólica e que permanecerá sem dúvida a sua até nossos dias, se admitirmos que aquilo que outrora foi fortaleza visível da ordem tornou-se agora castigo de nossa consciência.
    A água e a navegação têm realmente esse papel. Fechado no navio, de onde não escapa, o louco é entregue ao rio de mil braços, ao mar de mil caminhos, a essa grande incerteza exterior a tudo. É um prisioneiro no meio da mais livre, da mais aberta das estradas: solidamente acorrentado à infinita encruzilhada. É o Passageiro por excelência, isto é, o prisioneiro da passagem. E a terra à qual aportará não é conhecida, assim como não se sabe, quando desembarca, de que terra vem. Sua única verdade e sua única pátria são essa extensão estéril entre duas terras que não lhe podem pertencer.”p.12

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  2. O simbolismo da água aplicada a loucura nos revela que uma necessidade de nos purificar dela e leva-la embora, como se de uma impureza se tratasse, mas não é somente isso que representa a loucura, no renascimento, nas obras literárias um outro sentido se apresenta, alguém sabe qual é?

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  3. No Renascimento existe uma relação direta da loucura com a razão. Elas se fundamentam dialeticamente e de uma forma reciproca, como o Foucault disse na pagina 30:

    “A loucura torna-se uma forma relativa à razão ou, melhor, loucura e razão
    entram numa relação eternamente reversível que faz com que toda loucura
    tenha sua razão que a julga e controla, e toda razão sua loucura na qual ela
    encontra sua verdade irrisória. Cada uma é a medida da outra, e nesse
    movimento de referência recíproca elas se recusam, mas uma fundamenta a
    outra”


    Loucura e razão, então...

    Seria isso, Fabinhooooo??

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  4. Também acredito ser a relação da loucura com a razão...

    Foucault nos mostra as transformações que a loucura foi tendo com o passar do tempo e da fina relação com que esta (a loucura) encara a razão. Na época as pessoas colocavam os loucos em barcos e eles eram levados para longe de suas cidades (eram enxotados)... Em busca da razão. Eram levados através da água, que representa ali o seu lugar, pois o louco não tinha chão... Sua terra não era de onde ele saia e nem de onde ele aportava, mas sim as águas que tinha em volta de si... ou as “grades”. Como diz Foucault (acho que lá pela p.14), o louco acaba sendo o detentor da verdade, como aquele que nos mostra a nossa verdade; o louco, a loucura é vista como um saber obscuro, que esconde segredos... e que passa a dominar as fraquezas humanas, pois é visível... atrai as pessoas por conseguir manter uma certa dominância sobre as coisas. A loucura não diz respeito à realidade do mundo, ela diz respeito à realidade que o homem acredita existir, ela é uma sátira moral. Tem um discurso (e que discurso tem a loucura!)...
    Também lá na p.14: “Igualmente na literatura erudita a Loucura está em ação, no âmago mesmo da razão e da verdade. É ela que embarca indiferentemente todos os homens em sua nau insensata e os destina à vocação de uma odisséia comum...”

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  5. “... é possível que essas naus de loucos, que assombraram a imaginação de toda a primeira parte da Renascença, tenham sido naus de peregrinação, navios altamente simbólicos de insanos em busca da razão” (Foucault, 1972.: 10).

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  6. To orgulhoso de vc...vcs são ótimas!!!

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