sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Reflexão sobre A História da Loucura

Ao assistir a filmes produzidos no final do século XX e no começo do século XXI, como Garota Interrompida (Girl Interrupted), Uma Mente Brilhante (Beautiful Mind) e Em Nome de Deus (The Magdalene
Sisters)1, percebo uma crítica muito forte à forma como a sociedade
ocidental do século XIX até meados do século XX se relacionou com os desvios e os descontroles – comumente homogeneizados e enquadrados pela expressão loucura. Dentro dessa crítica, estabelecida de maneiras diversas por cada um dos filmes, destaco duas que os unem: a contestação do internamento como a única solução encontrada para lidar com a loucura e, ainda, o domínio exercido pelas concepções médicas em seu tratamento.
Acredito que o livro A História da Loucura na Idade Clássica
(Foucault, 1997), escrito por Michel Foucault na segunda metade do século XX, trata profundamente dessas duas críticas que destaquei anteriormente. Procurarei trabalhar essas problematizações atentando para duas discussões: as concepções de história e de discurso presentes nos estudos de Foucault.
Penso que a primeira crítica, que contesta a relação necessária entre loucura e internamento, começa a ser trabalhada na primeira parte do livro. Para iniciar essa discussão, Foucault aponta uma situação: ao final da Idade Média, por volta do século XV, o problema da lepra desaparece e, com isso, um vazio aparece no espaço do confinamento. Se toda a preocupação do poder real em torno do controle dos leprosários desapareceu, Foucault afirma que esse acontecimento não representa o efeito da cura exercido pelas práticas médicas, mas uma ruptura que ocorreu no modo de entender e de se relacionar com a lepra e com o confinamento.
Além disso, essa ruptura não faz desaparecer duas noções importantes: os valores e as imagens atribuídas ao personagem do leproso e o sentido produzido pela exclusão desse personagem do seu grupo social. Essas duas questões são relevantes, pois elas serão retomadas num sentido inteiramente novo para caracterizar outro fenômeno: a loucura. No entanto, para que reações de divisão, exclusão e purificação dominassem a loucura foram necessários quase dois séculos, pois as experiências e as formas de se relacionar com a loucura produzidas na Renascença tinham um sentido completamente diverso e Foucault procurará compreendê-lo.

Reflexões sobre A História da Loucura de Michel Foucault - Priscila Piazentini Vieira, 2006

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