Nos capítulos 3 e 4 Foucault aborda o tema da internação como uma forma de eliminar, colocar a margem da sociedade aqueles que não correspondem as normas sociais, usando um discurso de “organização”, ignorando os “associais” em nome de uma “ética” que divide a razão e o desatinio ; o bem e o mal. Nesse contexto vale lem
O BODE EXPIATÓRIO
Publicado por Patricia em 7/5/09 (251 leituras)
José Del-Fraro Filho
Psiquiatra, Psicanalista
jose@patriciaejosedelfraro.com.br
Alguns recortes
No seu livro o mal estar da civilização, Freud levanta a questão do Super Ego cultural dizendo que este promove uma ética que regula os relacionamentos humanos e que tenta barrar a agressividade inerente a todo sujeito, substituindo-a por culpa. Para Freud a agressividade desse gesto da internação poderia passar despercebida, na medida em que usavam como pretexto o discurso de que era preciso aprisionar os que não amavam racionalmente. Em nome da sociedade e em nome do amor. Todo esse mecanismo em jogo ainda traria a vantagem de projetar no outro, os desejos, que agora dão contorno somente ao rosto do desatinado, se vendo livres de reconhecerem em si mesmos o mesmo rosto.
Depois usando os conceitos de Marilena Chauí na construção do fenômeno ideologia o artigo diz que A ideologia é o instrumento possível para a dominação das classes. se esta dominação for percebida, os explorados se sentirão no direito de recusa-la. Por isso seu papel é impedir isso, dissimulando e ocultando essa divisão social para esconder sua própria origem. Para isso transforma as idéias particulares de classe dominante em idéias universais válidas para todos.
A universalidade dessas idéias é abstrata, pois existem idéias particulares de cada classe, que faz com que enxerguemos somente a imediatez de uma realidade como algo dado, feito acabado, sem nunca nos indagarmos como foi construída.
Essa classe dominada se revolta com as injustiças sociais, com o desequilíbrio assolador visto em todos os níveis e sentidos na pele, mas consegue no máximo preceber pessoas que estão em nome dessa dominação como os políticos populistas e/ou pseudo-socialistas, mas não percebem que continuam presas nas artimanhas ideológicas. Presa por certos significantes universais já difundidos pela classe dominante.
Essas idéias que colocavam o homem clássico como o dono e o escravo da Razão, deparados de pessoas que a fabricaram, tiveram como uma dos resultados A Grande Internação que correspondeu não só como conseqüência delas, mas como sua própria confirmação e auto-afirmação.
O mundo correlacional funcionava não só como um remédio aos males do coração, mas como um remédio ao conferir pragmatismo à ideologia vigente, na medida em que se pode colocar em prática esse conjunto de idéias . Os “insanos” se, por um ângulo, eram vistos como “veneno” de uma sociedade burguesa e sua ideologia – veneno que podia corroer as estruturas sociais por outro lado, eram os “remédios” com o qual se encontrava alívio, pois com eles se colocava em pratica o estabelecido ideologicamente, fortalecendo-o.
E nos nossos dias?
A atuação de alguns setores do sistema de saúde e de alguns médicos não se presta como remédio só ao sofrimento mental, mas como eterno paliativo para não alcançarmos avanços, na medida em que são coniventes com a ideologia que se iniciou séculos atrás.
Não vemos introjetados os mesmos preconceitos daquela época, onde no gesto da internação se ocultava num gesto de agressividade incomensurável, de culpabilização (bode expiatório) e de pragmatismo de uma ideologia emergente?
Até onde o susto, o espanto de se deparar com a “loucura do Outro”, aguçando em maior ou menor intensidade nossos conflitos e com isso angústia, nos impede de prosseguir, des
Até que ponto utilizando-se de sutilezas, que não deixa de ser um excelente ingrediente ideológico, ainda não estamos mergulhados em certas práticas daqueles longínquos séculos, onde num certo dia os corações e a liberdade se viram aprisionados nas redes ideológicas?
Nos nossos dias é muito comum “chavões” do tipo:
. “Saúde um direito para todos...”
. “A internação, em certos casos, é a única saída...”
. “Dignidade ao doente mental, ao trabalho médico...”
Frases de efeito que atuam no imaginário do sujeito carente de soluções, frases formuladas pelos dominantes e utilizadas como mero instrumento ideológico. Em nome de alguma coisa que nunca se encontra com o bem-estar social. Avalanche ideológica que nos arrasta cada vez mais à alienação. Alienação esta, que certamente não se confunde com a alienação do Doente mental, mas talvez bem mais daninha. Impregnados por ela, não se pode mais traçar a linha de um rosto diferenciado. Algo da ordem de uma massificação, de uma “coisificação”, se configura numa única imagem: a do rosto-escravo, a do rosto-objeto, sem liberdade, sem cidadania, “parafuso dispensável numa sociedade tecnocrata. (ClariceLispector).”
E é interessante um aspecto que surge através desse comentário: O dito alienado mental, talvez, seja o único livre dessa mesma alienação, na medida em que se refugiando no mundo inconsciente é preso de suas próprias leis, não mais podendo ser analisado como o sujeito que compartilha os códigos de uma dada cultura, que colocaria este indivíduo em condições à rebeldia ou como elemento mantenedor da resignação, fruto último e mais nocivo da ideologia e da alienação. A alienação pode conduzir à morte do sujeito social.
E por fim quero apontar, mais uma vez, o risco que corre a Psiquiatria em nossos dias: ser colaboradora do processo ideológico quem mata o sujeito social transformando-o em objeto social: “Ideologia é um conjunto de idéias, de valores e condutas que prescrevem aos mem
A Ciência pode se prestar ao serviço ideológico e muito... mas pode dizer e não dizer muito mais...
Se o psiquiatra em sua prática encarna o tempo todo e não questiona o chamado “Discurso de Mestre”, onde imaginariamente ocupa o lugar do saber absoluto, não estaria ele sendo, ao mesmo tempo, lacaio de sua própria onipotência e de armações ideológicas mascaradas com o respeitado rótulo de científicas?
E num último viés, o fato da Psiquiatria Biológica ter alcançado grandes avanços, pode servir, por exemplo, como faca de dois gumes: propicia avanços científicos, mas se tomada isoladamente pode ser terreno propício ao enraizamento ideológico. Pode cair num positivismo que tente justificar a miséria psíquica e social, passando por cima de um conjunto de complexos fatores, servindo como campo para práticas inadequadas e retrógradas. Pode servir como alimento a preconceitos e medidas punitivas destinadas às minorias discriminadas desde a Era Clássica. Neste caso, além da enorme contribuição, à manutenção ideológica e morte do sujeito social estaríamos colocando em risco a própria Psiquiatria, enquanto ciência que se presta a aliviar ou no mínimo não compactuar com o sofrimento humano. Aí nesse ponto, a Psiquiatria e o seu louco serviriam de remédio... De remédio a qualquer ameaça de mudança e reestruturação que se fizessem esboçar...
MUITO BOM!!!!
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